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Quem diria Seu Nélio

Parte 6

Nélio e Raimundo voltaram para casa. Depois do susto, Raimundo não conseguia acreditar onde o amigo arranjou tanta coragem para enfrentar um homem com um facão. Tudo por causa de uma menina que ele mal conhecia. Nélio explicou que o amor faz dessas coisas, torna a gente cego e meio burro. Raimundo deu uma gargalhada e depois ficou sério ao perguntar como Nélio ia falar para os pais deles sobre essa situação. “Seja o que Deus quiser, Raí.”, respondeu Nélio.

Nélio chegou em frente a sua casa mas seus pés não conseguiam andar mais. Ficou parado, sem saber por onde começar a prosa. Afinal ele tinha matado aula para ver Cecília. Começou a sentir um frio na barriga pois sabe como Seu Damião é com responsabilidade. Ainda mais com estudo. Engoliu seco mais uma vez e foi enfrentar a fera.

– Tarde mãe, tarde pai.

– Demorou para voltar da escola, fio. – disse Seu Damião

– Preciso ter um dedo de prosa com cês dois.

– Algum problema com a escola? – falou Dona Ana.

– Não mãe. Quer dizer, acho que sim também.

– Também?

– Hoje não fui a aula.

– Faltou a aula?! – disse Seu Damião um pouco bravo.

– Faltei a aula para ir a Mariana.

– Quê diacho cê foi fazer em Mariana? E ainda por cima faltou a aula por causa disso? Cadê a responsabilidade?

– Desculpa pai mas tive que encontrar Cecília.

– E quem é Cecília? – perguntou a mãe.

Nélio acabou falando tudo. Da festa de São João, da Cecília e do pai de Cecília. Disse que foi amor à primeira vista e que não podia evitar. Disse também que a família de Cecília viria amanhã de tarde para conhecer a família dele. Dona Ana disse para Damião colocar Nélio de castigo e ir até Mariana desfazer toda essa bagunça. Nélio, muito sério, disse que já era um homem feito, que amava Cecília e que nada, nem ninguém, iria impedir.

Seu Damião olhou para a esposa, olhou para Nélio, olhou para cima e disse que o filho já era mesmo um homem. Lembrou a Ana que o começo de namoro deles também não foi fácil e que Damião teve muito trabalho para convencer o pai de Dona Ana a deixá-la namorar com ele.

Dona Ana teve que concordar. Sabia que não podia fazer nada. Nélio era igual a Damião, quando colocava uma coisa na cabeça não havia ninguém que tirasse.

– Tudo bem, fio. A gente vai conhecer essa família. Tem certeza que essa menina é a menina certa pra ti? – disse Seu Damião.

– Sim pai.

– Ela é moça prendada? – disse Dona Ana.

– Sim mãe.

Os pais de Nélio enfim concordaram. No dia seguinte veio a família dos Silva e todos se reuniram na sala. Seu Waldir conversava com Seu Damião, Dona Ana com Dona Rita e Nélio era só olhos para Cecília. A moça sorria para ele mas ficava o tempo todo do lado da mãe. Queria mostrar para a família de Nélio que era moça direita.

Depois de muito blá-blá-blá, os dois chefes de família apertaram as mãos e Seu Waldir enfim aceitou o pedido de Nélio. O rapaz era uma felicidade só. Dava gosto de ver. As família então saíram da sala para o casal poder se conhecer melhor. Mas sempre de olho nos dois.

Nélio cantou uma música que fez especialmente a Cecília e lhe entregou uma carta de amor escondido. Cecília ficou mais uma vez vermelha de vergonha. Na hora dos Silva ir embora, Cecília disfarçadamente pegou uma flor do jardim e deu um beijo nela. Entregou para Nélio e foi embora junto com sua família. Nélio não conseguiu dormir naquela noite. Tratou de colocar a flor na água e ficou deitado na cama olhando para teto e fazendo planos para o futuro.

Futuro que já tinha dado as caras e virou presente. Parece que tinha sido ontem o dia que tudo isso aconteceu mas um ano já havia se passado. Nélio e Cecília estavam casados e felizes. Ele cuidando dos negócios da mercearia do Seu Luis. Seu Luis iria se mudar com a família para o Rio Grande do Sul para abrir uma sociedade junto com seu primo. Não sabia o que fazer com a mercearia. Nessa hora, Nélio, que não era bobo nem nada, pediu se podia cuidar do estabelecimento. Falou que ia dividir os lucros 60% para Seu Luis e 40% para ele. O dinheiro mandaria para o Rio Grande do Sul. Seu Luís aceitou a proposta e Nélio, que antes trabalhava na roça, já tinha um negócio próprio.

Cecília ficou orgulhosa do marido. Nunca perdia uma oportunidade e estava sempre correndo atrás de melhores condições para ele e sua esposa, que meses depois descobriu que estava grávida. Foi uma surpresa. Nélio estava se preparando para ir trabalhar na mercearia, tomou o café da manhã, limpou as botas, ajeitou o cabelo e deu um beijo em Cecília. Quando ele estava abrindo a porta para sair Cecília disse:

– Faltou o beijo de bom dia!

– Ô muié, mas eu te beijei.

– A mim sim mas ao teu filho não.

Cecília apontou para a barriga. Nélio arregalou os olhos e foi correndo dar um abraço na esposa.

– Vamos ter um fio?

– Sim vamos ter um filho.

Nélio não sabia se ficava feliz ou preocupado. Saiu de casa com uma nova determinação: aumentar a renda para poder cuidar do mais novo membro da família. Ele queria dar o melhor para seu filho e passar para ele tudo que aprendeu com seu pai. Trabalhou com ainda mais dedicação na mercearia. Desenvolveu novas ideias como juntar padaria com mercearia. O resultado disso foi um aumento maior nas vendas.

Seu Luis estava impressionado com Nélio. Ele era um ótimo planejador e a mercearia/padaria estava de vento e poupa. Muito melhor do que na época do Seu Luis. Agora a divisão dos lucros era 50 por 50. Mais tarde, os negócios do Rio Grande do Sul estavam tão bem que Seu Luis decidiu vender a mercearia para Nélio. Agora ele era dono de um estabelecimento comercial. “Muito chique falar isso. Dono de um estabelecimento comercial. Tudo isso é meu! Eita nós!”, pensou.

Nélio resolveu também investir na festa de São João. Contratou músicos, construiu um pequeno parque de diversões para as crianças se divertirem. Essa novidade fez trazer mais gente e mais turistas para o local. A cidadezinha prosperava. Os habitantes cresciam a cada dia mais. E ganhou mais um com a chegada de Ricardo, o primeiro filho de Nélio e Cecília.

O menino era uma pimenta. Corria de lá para cá, não conseguia ficar parado de jeito nenhum. Cecília tentava ter toda a paciência do mundo mas tinha horas que ela pegava o travesseiro e gritava com toda a força do mundo para se acalmar. Nélio não entendia de onde vinha tanta energia e então resolveu fazer o que seu pai fazia com ele, levando o menino para a roça.

Contratou Raimundo para cuidar da mercearia na parte da manhã enquanto ensinava o filho a cuidar da terra. Isso trouxe uma certa calma para o menino e paz para sua casa. Achou muito engraçado o fato de estar voltando a cuidar do plantio e até que se sentiu bem fazendo isso outra vez. Foi o que seu pai lhe ensinou e o fez ter valor pelas coisas.

Por esse motivo, fez questão de ficar cuidando da roça pela parte da manhã. Trabalho que não parava nunca, ainda mais quando nasceu Murilo, seu segundo filho. Os três cuidavam de plantar e colher as verduras e legumes da modesta horta. Murilo era meio rebelde e não entendia porque tinha que fazer isso já que o pai tinha a mercearia.

– Isso eu faço para você criar juízo. Filho meu não vai ficar largado por aí sem ter o que fazer. Vai trabalhar para ganhar responsabilidade. Foi assim que meu pai me ensinou e graças a ele hoje sou o que sou. E vai ser assim também “cocês”.

Perdeu as partes de 1 a 5? Veja então aqui.

Quem diria seu Nélio

Parte 5

– Nélio tem um homem vindo aí com cara de poucos amigos. Acho que é o pai de Cecília.

A menina olhou para trás assustada. A suspeita de Raimundo estava certa. Era o mesmo Seu Waldir. Cecília ficou branca que nem papel. Sua irmã mais nova gritava “Entra Cecília, entra!”. Nem adiantou. Poucos segundo depois só se escutava o homem a berrar:

– Vou te pegar seu cabra safado!

Raimundo ficou uma pilha de nervos. Falava para ele e o amigo saírem correndo.

– Vamos embora Nélio! O homem pode estar armado.

– Não. Vou conversar com Seu Waldir.

– Perdeu o juízo de vez?

– Pelo contrario. Eu quero namorar Cecília e vou pedir permissão para o pai dela.

– Ai Meu Deus! Não quero morrer!

– Calma Raimundo que eu sei o que tô fazendo.

Minutos depois Seu Waldir fica cara a cara com Nélio. Manda Cecília entrar em casa. Ela pede para explicar, dizendo que não estava fazendo nada mas o pai nem quer ouvir. Dá mais uma vez a ordem e a menina obedece. Olha para Nélio com tristeza e volta para dentro de casa junto com sua irmã mais nova.

– Seu miserável! Acha que vai se engraçar com minha filha? Tá muito enganado!

– De forma alguma senhor. Tenho muito respeito para com Cecília. Quero conversar com o senhor.

– Conversar o quê?

– Gostaria de ter a sua permissão para namorar sua filha Cecília Maria da Silva.

– Hahahaha. Mas nunca terá minha permissão.

– Por quê?

– Conheço bem a tua raça. Depois que cê falou com minha filha naquele dia de São João procurei saber ao seu respeito. Você é um galanteador de meia tigela, cheio dos romances. Minha Cecília não vai cair na sua arapuca. Fique longe dela.

– Senhor, eu estou amando sua filha. Desde o momento que a vi sei que ela será a única para mim. Tive uns namoricos admito mas são águas passadas. Meu futuro é ao lado de Cecília.

– Basta. Some logo daqui antes que te corte com a minha peixeira.

Seu Waldir não estava para brincadeira. Nascido e criado em Sergipe sabe como ninguém a mexer em uma peixeira. Algumas pessoas diziam que ele fez parte do bando de Lampião mas isso são só boatos. Para o bem de Nélio era bom que fosse somente um boato.

– Não vou sair daqui antes da sua permissão. Eu amo Cecília e quero provar ao senhor que falo a verdade.

Nessa hora aparece a filha mais velha dos Silva. Eleonora tinha seus 19 anos e estava com casamento marcado. Era a mais ajuizada das três irmãs e por isso o que ela disse causou enorme surpresa a todos, inclusive ao seu pai:

– Pai, deixe o rapaz falar com você. Ele parece ser sincero. Não viria da sua cidade até aqui e tampouco enfrentar o senhor se não estivesse sério. Dá um voto de confiança.

Dona Rita, a mãe, estava chegando em casa quando viu toda a cena. Perguntou o que estava acontecendo:

– Mãe, esse rapaz se chama Nélio e quer pedir a mão de Cecília em namoro. O pai já até ameaçou de pegar a peixeira.

– Waldir, homem de Deus, não faça isso.

– Rita, deixa que eu resolvo. O moleque já vai embora.

– Com todo o respeito Seu Waldir mas não vou não. Só volto para minha cidade depois do senhor permitir que eu namore sua filha.

– Eu me lembro de você. Não foi você que veio correndo em direção a nossa carroça querendo saber o nome de minha filha do meio?

– Sim, sou eu mesmo senhora.

– Você realmente gosta de minha filha?

– Com todo o meu coração.

– Você estuda?

– Sim senhora.

– Trabalha?

– Junto com o meu pai no campo e entregando as verduras e legumes numa mercearia. Ganho gorjeta para isso.

– Muito bem. Vejo que é trabalhador, estuda e ajuda o pai. Vou dar um voto de confiança. Pode volta a ver a Cecília.

– Rita!

– Ué Waldir! O menino parece ser direito. Vamos fazer o seguinte: amanhã a gente vai até a casa dele conhecer a família. Deixar tudo certinho. Pode ser?

Seu Waldir pensou. Viu o rapaz de cima abaixo. Andou de um lado para o outro. Pediu para Cecília vir até eles. Quando a menina estava do lado de fora, ele perguntou:

– Você conhecia esse rapaz antes?

– Não meu pai.

– Acha que ele é de família?

– Acho sim. Veio até aqui pedir a permissão do senhor.

Seu Waldir acabou concordando com a situação. Amanhã então a família dos Silva iria conhecer a família de Nélio. Só tinha um pequeno detalhe. Eles não sabiam de Cecília e não sabiam que Nélio tinha faltado a aula para ir atrás de Cecília. Mas não dava para desfazer o trato. Nélio engoliu seco, concordou com os termos e sorriu para a amada. Por ela, tudo valia a pena.

Perdeu a Parte 1, 2 e 3 e 4? Veja então aqui.